Quem matou “Branco”?
Julgamento mais longo da justiça colinense termina com absolvição dos acusados e crime fica sem culpados
Ministério Público vai apelar para tentar anular decisão
O homicídio de Laerte Izopp “Branco”, de 53 anos, chocou a cidade pela crueldade e brutalidade com que a vítima foi assassinada. Antes do tiro na nuca, causa eficiente da morte, Laerte foi agredido com inúmeras pancadas na cabeça. As lesões encontradas no braço indicam que ele tentou defender-se dos golpes que causaram lesões no couro cabeludo, ferimentos no rosto, luxação do fêmur, dentre outros que constam no laudo necroscópico que faz parte do processo judicial.
Os dois denunciados do crime foram absolvidos na sessão do Tribunal do Júri, o que deixa o caso sem respostas para várias perguntas já que os réus nunca confessaram o crime. São muitas dúvidas que não foram esclarecidas até hoje, um ano e quatro meses após o brutal homicídio que chocou toda a cidade. Antes do encontro do corpo no final da tarde do dia 17 de maio de 2019, com sinais de execução, a vítima ficou desaparecida por três dias. Familiares e amigos realizaram buscas por conta própria, inclusive em áreas rurais, porém sem sucesso.
Os familiares de Branco estão inconformados com a decisão do Conselho de Sentença que, por maioria de votos, absolveu os acusados. O júri esteve formado por seis homens e uma única mulher, a maioria de Jaborandi (6). Após a votação secreta dos quesitos que absolveram os réus, o juiz Fauler Félix de Ávila proferiu a sentença aos denunciados que foram levados ao CDP de Taiúva, onde aguardaram a chegada do alvará de soltura que os colocou em liberdade.
O MAIS LONGO DA HISTÓRIA
O longo julgamento teve início no dia 9, às 9h, com o sorteio dos sete jurados entre os 25 previamente selecionados e se estendeu até a madrugada do dia 10, quando foi interrompido pelo juiz. Os jurados pernoitaram em hotel, ficando incomunicáveis. Os trabalhos foram retomados pela manhã e terminaram somente por volta das 22h30, quando o magistrado fez a leitura da sentença.
No primeiro dia foram ouvidas as testemunhas do processo. O Ministério Público, responsável pela acusação, convocou dez testemunhas: delegada Denise Polizelli que conduziu as investigações, investigadores, proprietária das terras onde o corpo foi desovado, familiares da vítima e de um dos acusados. A defesa também arrolou dez testemunhas formadas entre os familiares dos denunciados, inspetora de alunos e perito que esteve no local onde o cadáver foi encontrado. Um policial militar foi a testemunha comum da defesa e acusação.
No 2º dia do julgamento os réus foram ouvidos em plenário, responderam perguntas do promotor de justiça e advogados de defesa, inclusive mostrando em imagens aéreas onde residem e o caminho até chegar à fazenda onde Branco foi encontrado sem vida. Em seguida o promotor fez uso das 2h30 disponíveis para convencer os jurados da autoria, pedindo a condenação de ambos. Na sequência os defensores contratados apresentaram suas teses que se basearam principalmente na falta de materialidade que associam os clientes ao homicídio, que não tem testemunhas nem da execução como da ocultação de cadáver.
UM NOVO CULPADO
O julgamento quase teve uma reviravolta com as declarações dos familiares de um dos acusados, que apontaram outros autores para o crime. As novas informações não foram levadas em conta já que não constam no processo e somente vieram à tona justamente na sessão do Tribunal do Júri. O Ministério Público também questionou o fato de que duas testemunhas, familiares de um dos denunciados, assistiram ao julgamento on-line antes de serem ouvidas em plenário.
Após as testemunhas serem ouvidas, o promotor de justiça Gustavo Yamaguchi Miyazaki expôs as informações do processo que o motivou a denunciá-los como autores do homicídio. Ele narrou a cronologia do crime baseado nas imagens das câmeras de segurança apreendidas pela polícia, inclusive com a movimentação do acusado que teria trocado de carro e carregado à camionete com ferramentas.
DENUNCIADOS MATARAM LAERTE
Segundo o Ministério Público, “as acusações são imputáveis aos dois réus, que são cunhados. Eles mataram Laerte e ocultarem o corpo na área rural. Não há como pedir a absolvição deles por haver indícios fortes de autoria aliados às provas técnicas. Há muitas contradições no processo”, disse o promotor. Uma das qualificadoras apresentadas é de que o crime foi praticado por motivo torpe e que dificultou a defesa da vítima. Segundo o promotor, “a motivação seria a intenção de apropriar-se das motocicletas colocadas à venda pela vítima sem a realização dos respectivos pagamentos. Não tem nada que comprove as inúmeras versões apresentadas, que não são verdadeiras. O que estava acontecendo é que o réu, o último a ser visto com a vítima, estava se afundando em dívidas e não tinha dinheiro para pagá-las”, relatou o representante do Ministério Público.
LAERTE FOI MORTO EM OUTRO LUGAR E DESOVADO NA FAZENDA
O representante do MP mostrou em slides as fotos do laudo necroscópico e a posição em que o corpo foi encontrado. “Os golpes desferidos na cabeça foram causados com instrumento perfuro-contusos. Não importa quem deu o tiro o importante é saber que os dois mataram. O tiro na nunca é sinal de que a vítima foi executada. Os dois carregaram o corpo até a fazenda onde um deles mantinha uma criação de gado para não ser localizado pela polícia. Como não conseguiram enterrá-lo na cova escavada próxima ao brejo que encheu de água, tentaram esconder o cadáver com folhas”. O promotor ressaltou: “A vítima deixa a moto e já entra no Corolla conduzido pelo acusado, sendo esta a última vez que Laerte foi visto com vida. Não há argumentação sobre o homicídio e a ocultação, pela lógica, chegamos ao fato”.
O representante do MP continua sua explanação afirmando que, “daí a necessidade das provas técnicas e investigativa, de irmos atrás das evidências para chegarmos à conclusão. Somente os réus poderiam esclarecer como tudo aconteceu se confessassem, mas não o fizeram. Existem inúmeras provas iniciais de que os dois, no mínimo, tiveram participação efetiva no homicídio. Dr. Gustavo prossegue: “O corpo foi encontrado da maneira que foi jogado na área rural. Também não existem indícios de que as agressões aconteceram no local. Outro detalhe: na posição em que o corpo estava as manchas de sangue deveriam correr para o solo e não para o rosto, como foram encontradas, isso nos dá muitas pistas. Não foram encontradas marcas de arrastamento o que leva a crer que não havia uma única pessoa. Esses indícios são muito importantes para entender como o crime aconteceu junto com as demais provas, orais e documentais. As vestes do cadáver se apresentavam em condições normais e não desarrumadas e nem enroladas como seriam de se esperar quando é de costume o arrastamento do corpo no solo”.
DEFESA E ACUSAÇÃO REBATEM RESULTADOS DE EXAMES
Quando o promotor começou a discorrer sobre o resultado das amostras de sangue humano encontradas pela polícia nos dois veículos apreendidos e relacionados ao crime, houve discussão com os advogados de defesa. As amostras coletadas no porta-malas do Corolla e na carroceria da camionete Hilux foram negativos para sangue humano. Doutor Gustavo tentou explicar o método utilizado e que não é apenas ler o resultado, porém interpretá-los. Os advogados disseram que os resultados são negativos e ponto. Para eles o MP teria que trazer o perito que fez o exame para explicar a metologia utilizada.
Com relação a ligação dando a localização do corpo, Dr. Gustavo disse: “A tia de um dos acusados foi usada para fazer a denúncia. Tenho a informação de que tem um cadáver lá, todavia não sei se é verdade. Pegou um chip, habilitou com dados falsos, pegou o celular da tia que sem se identificar fez a ligação. O chip foi jogado fora, são coisas que não dá para aceitar. Tem sempre alguém agindo nas costas. Que diabo é isso?”.
“O laudo do revólver calibe 38 apreendido pela polícia na casa da tia de um dos acusados estava municiado com 6 balas, faltando uma única munição. O laudo deu negativo, mas o resultado não significa que não tenha sido dado o disparo”, destacou o promotor.
DEFESA SE APEGA A FALTA DE TESTEMUNHAS E CONFISSÃO
O advogado Luis César Peternelli, de Barretos, começou sua defesa explicando que a maioria dos jurados sorteados é de Jaborandi porque há muitas nuances sui generis no processo, extremamente ligadas à determinadas realidades que o povo de Colina enfrenta. “Essa preocupação inicial foi substituída por uma sensação de que não importa de onde os jurados são. Tudo que tinha que ser mostrado foi feito”, destacou o advogado.
Quanto aos fatos o defensor foi categórico: “Não há testemunhas presenciais do homicídio e nem da ocultação de cadáver, não há confissão de autoria de nenhum dos réus. O meu cliente foi eleito o criminoso do ano de 2019 pela Polícia Civil porque hipoteticamente foi a última pessoa a ser vista com Laerte. O outro culpado foi eleito o 2º investigado do ano de 2019 porque foi a pessoa que proporcionou a ocultação do corpo. Me chamou a atenção neste processo que os dois acusados, na época do crime com 23 anos, não têm antecedentes e nem dívidas formais. Embora a polícia diga o contrário com relação ao meu cliente, mas sem nenhum documento. São dois meninos que com essa idade e falta de experiência, se fossem culpados teriam vomitado alguma coisa”, esclareceu Peternelli que acrescentou: “O promotor explorou todas as provas secundárias que não são as principais de autoria, que não existe e traçou um cenário que levaria a certeza. Faltou o que chamo de ‘grude’ entre as provas. Tenho a sensação de que há alguma coisa relacionada às especificidades de Colina, em determinados bairros, determinadas ações ilícitas, determinados agentes públicos, pessoas que praticam determinadas atividades acobertadas pela farda. Fiquei com a nítida sensação que há um grupo exorbitando que, pelo menos explicitamente a não ser por algumas declarações, não veio materialmente no processo em forma de prova”. Ressaltou: “O que chamou atenção inclusive foi a ostentação de patrimônio de certas autoridades públicas citadas aqui. Ostentação de patrimônio incompatível com a atividade exercida, ostentação de patrimônio pelo filho dessa autoridade pública incompatível com alguém que não tem profissão definida. Tenho a translúcida certeza de que os reais assassinos de Laerte não estão sendo julgados aqui hoje. Muita coisa não bate, muita coisa chama atenção, há muita falta de cola”.
POLÍCIA JÁ TINHA ELEITO O CULPADO
O advogado ainda salientou que o encerramento das investigações pela Polícia Civil foi precipitado. “No meu entendimento haveria outras linhas de investigação, outras provas a serem defendidas justamente por falta deste grude. Ao invés de seguir as provas para chegar à autoria, a polícia saiu com a certeza dela correndo atrás de prova”. Peternelli apresentou aos jurados uma certidão negativa de feito cível distribuída em face do cliente que, segundo ele, atingiu a maioridade há seis anos e nunca sofreu uma ação de cobrança dessa natureza, ou seja, ninguém nunca cobrou nada dele na justiça. “O motivo para matar é porque meu cliente estava quebrado e que queria ficar com as motos e o dinheiro. É típico forçar uma prova a partir da eleição de um suspeito. Meu cliente era um dos melhores clientes do Laerte, negociavam há anos e frequentavam a casa um do outro. O Laerte não vendia para ninguém a não ser no dinheiro, mas vendia para meu cliente com cheque pré-datado. Cadê esse motivo? De onde vem isso? A polícia já o estava acusando como suspeito antes do corpo ser encontrado, antes de ver as imagens”.
Apreenderam a possível arma usada no crime faltando apenas uma bala no tambor, a polícia a encaminhou juntamente com o projétil retirado do crânio de Laerte para confronto de balística. O ensaio químico relacionado a disparo recente foi negativo, ou seja, essa arma não foi disparada recentemente porque não tinha resíduos de pólvora. O confronto balístico do resto do projétil retirado do crânio com os cartuchos restantes não deram similaridade, concluindo-se que não há identidade entre os projéteis”.
O advogado também contestou as imagens das câmeras de segurança da casa do acusado apreendidas pela polícia que deveriam ter sido submetidas à análise de um perito. A defesa também explorou de que no dia do crime, às 16h, o acusado foi buscar na escola a namorada que estava passando mal. A inspetora de alunos do estabelecimento de ensino foi ouvida e disse que a assinatura dele foi solicitada antes de sair com a namorada.
“ANTES ABSOLVER UM CULPADO QUE CONDENAR UM INOCENTE”
O advogado Merhej Najm Neto defendeu o outro acusado do crime e se apegou ao fato de que não tem prova nos autos para a condenação. “Minha tese absoluta é de negativa de autoria, não há prova nenhuma da participação do meu cliente. Os dois estão presos há mais de um ano, mas isso não é indício de que são culpados. Meu cliente está nesta situação por tentar, na forma dele, colaborar com a justiça. Ele pegou um chip e fez a ligação à polícia juntamente com a tia com medo de que se não achassem o corpo pensassem que estaria envolvido. Ele não foi visto nas imagens das câmeras de segurança e nem com Laerte. Perguntei ao perito se nas circunstâncias em que o corpo foi encontrado teria como saber se houve a participação de uma, duas, ou mais pessoas. A resposta dele foi de que não tem como afirmar e nem como o crime aconteceu. Não se trabalha com ilusão, probabilidade ou com indícios em processo penal. Se você tem dúvida, por menor que seja, tem que absolver”.
Merhej disse que perguntou aos policiais se havia alguma denúncia anônima de que o seu cliente pudesse ser autor do crime. “Não há por que qual motivo teria para matar a vítima? A polícia errou feio neste caso porque não teve uma segunda linha de investigação. A qualificadora de apoderar-se das motos sem pagamento não se aplica ao meu cliente que não tinha conhecimento dessa negociação”.
A reportagem procurou a delegada Denise Polizelli, que comandou as investigações na época do crime, mas ela não quis se manifestar a respeito das declarações dos advogados.
SENTENÇA
Depois das explanações, isso por volta de 22h do dia 10, os sete jurados ficaram na presença do juiz para a votação secreta das perguntas a cada acusado. O Conselho de Sentença, por maioria de votos, absolveu os acusados do crime. Quanto à ocultação de cadáver o juiz julgou a autoria como incerta.
Promotor Gustavo Miyazaki durante explanação aos jurados.
Advogados de defesa e seus assistentes na sessão do Tribunal do Júri.
Momento em que o juiz Fauler Félix de Ávila lê a sentença de absolvição na presença dos denunciados, até então acusados do crime.
Juiz Fauler de Ávila que presidiu a sessão do júri.
A acusação dos indiciados no processo ficou a cargo do Ministério Público representado pelo promotor Dr. Gustavo.
Laerte Izopp “Branco”.
Policiais acompanharam o trabalho da perícia na área rural onde o corpo foi encontrado em 17 de maio do ano passado.
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