Sílvia: uma história de amor com os cachorros
A questão dos cães abandonados é polêmica, já gerou muitos debates e sempre retorna à tona, inclusive tem sido explorada na campanha política dos candidatos. A criação de uma ONG (Organização Não Governamental) na cidade também foi amplamente discutida, mas, infelizmente, nunca saiu do papel. Recentemente o governo federal promulgou uma lei que pune os autores de maus tratos contra os animais. A maioria levanta a bandeira em favor dos animais, mas na prática poucos realmente fazem algo. Muitos se compadecem e alimentam os animais que vivem na rua, fazem casinhas nas calçadas, etc. Porém poucos se comprometem em dar uma vida digna aos cachorros.
Entre estas raridades existe a “Sílvia dos Cachorros”, de 51 anos, que atualmente cria 29 cães adotados da rua. Ela mora num imóvel alugado na Rua Henrique Paro com um quintal bem amplo para abrigar os seus “amores” como se refere aos cachorros. Ela contou à reportagem essa história de doar a vida pelos bichinhos.
O nome dessa mulher batalhadora é Sílvia Elena Lima de Souza que mora com sua matilha. A paixão pelos animais é tanta que ela passou a ser conhecida por “Sílvia dos Cachorros”. Ela acorda no raiar do dia para dar conta do trabalho que tem pela frente porque cuidar de tantos animais não é tarefa fácil. Nesse período eleitoral a gari está afastada das funções por conta da campanha política já que é candidata a vereadora.
O DESPERTAR DA PAIXÃO
A paixão pelos cães foi despertada há 12 anos quando ela varria rua na Nova Colina e conheceu Marcos Ribeiro, um senhor que quando saía de casa era seguido por um bando de cachorros. “Essa visão mudou algo dentro de mim e comecei a recolher os cachorros da rua e colocar no terreno que ele me cedeu para guardar o carrinho, meu instrumento de trabalho. Fiquei quase dois anos criando seis cachorros nesse espaço, mas para não perturbar mais o proprietário trouxe todos para minha casa”, contou Sílvia que já chegou a ter 50 cães. “Com as idas e vindas, o número ficou menor. A minha vontade é trazer todos os cachorros que vejo na rua para casa, mas não dá mais porque não consigo mantê-los por falta de condições financeiras. Agora as pessoas começaram a abandonar animais no meu portão ou jogá-los dentro do meu quintal”.
BARULHO DE SAUDADE E FELICIDADE
Ela sabe o nome de cada um dos seus animais que a obedecem, mas o único problema é quando sai e chega em casa. “Eles fazem muito barulho porque me querem por perto. Quando chego manifestam a felicidade que sentem, mas quando estou em casa não dão trabalho e nem fazem barulho. A noite é a mesma coisa. Alguns têm que ficar apartados porque são muito ciumentos e brigam com os outros. Minha vida são meus animais, eu brigo e morro por causa deles. Por mais difícil que a luta seja, não me desfaço de nenhum porque realmente são amigos, parceiros fiéis e gratos por tudo que faço”. Ela disse que evita sair de casa, tipo viajar, ir a festas ou coisas semelhantes porque se preocupa com a “turminha”. “Se tivesse condições ou ajuda financeira teria mais cachorros e poderia mantê-los melhor e até ter um veterinário para dar assistência com mais frequência”.
Muitas pessoas não entendem esse amor que a servidora pública tem pelos cachorros. “Todo mundo fala que sou louca porque não vivo mais, tudo que faço é por eles e para eles. Não saio ou passeio porque fico preocupada se estão brigando, se estão fazendo barulho porque como eu, eles também sentem a minha falta. Cuidar e brincar com os meus amores é a melhor coisa da vida”.
ALIMENTAÇÃO BALANCEADA E REMÉDIOS
“Todo dia quando acordo já preparo a comida deles. Geralmente faço arroz com beterraba e espinafre misturado com retalho que ganho no açougue. Como o preço do arroz está um absurdo estou usando ‘flocão’ que também foi doado por uma colaboradora. A refeição junto com a ração é dada uma vez por dia no período da tarde. Quando estou em casa também dou pão, bolacha e algumas canecas de ração para eles”.
Para facilitar a distribuição da comida ela comprou algumas bacias que são colocadas em fileira no chão no momento da refeição. “Essa é a melhor maneira de alimentar tantos animais ao mesmo tempo. Vou enfileirando as bacias e distribuindo a comida que coloco num balde. Quero fazer um coxo de madeira para ficar mais fácil para eles comerem”.
Além disso, ela também alimenta os cachorros que todo dia vão ao seu portão. “Esses cães não são meus, mas vêm se alimentar em casa Também levo comida na bicicleta e quando vejo um cachorrinho magrinho, judiado e com fome ofereço comida. Sílvia disse que também compra réstias e mais réstias de alho para colocar na comida dos cães. “O alho funciona como um vermífugo natural e ajuda a combater infestação de pulgas e carrapatos”. Para alimentar os cachorros são gastos 3 sacos de ração, tamanho grande, por semana e cerca de R$ 100,00 por mês com legumes para incrementar a comida que prepara diariamente. Fora isso, quando não ganha os retalhos do açougue, Sílvia também compra salsicha, frango ou pescoço de frango. Além de tudo isso, a servidora municipal também compra remédios para os animais.
ANJOS PROTETORES
Sílvia recebe pouco mais de R$ 1.000,00 como salário e conta com a ajuda de apenas cinco pessoas que chama de anjos protetores. “Essas pessoas ficaram sabendo da minha luta nas andanças que faço e então decidiram me ajudar e sou muita grata”, declarou Sílvia que “se vira nos trinta” quando algum dos cães fica doente. “Eu improvisei um jeito de meus cachorros tomarem soro e aprendi a aplicar injeção. Só quando não dá mesmo, que apelo para o veterinário. Se contasse com a assistência gratuita de um profissional ajudaria muito. Sempre dão desconto, mas para mim que tenho 29 animais e ganho cerca de um salário mínimo fica muito difícil. A maior parte do pagamento gasto com os cachorros, inclusive usei meu fundo de garantia para fazer um estoque de ração e remédios, mas já acabou. Nenhum fica sem a vacina da raiva e todos foram castrados no projeto do município, mas depois disso já chegaram mais dez que precisam ser castrados”.
ONG E CASTRAMÓVEL
Esta é a segunda vez que Sílvia se candidata a vereadora. Em 2016 teve 133 votos. A bandeira dela tem sido a criação de uma ONG ou instituição que acolha os cães errantes. “Se alguém me cedesse um espaço claro que a gente conseguiria voluntariado. Meu sonho também é trazer o castramóvel que ficaria uma semana em cada bairro. O acesso seria mais fácil, rápido e sem burocracia. Se eleita vou focar nos animais de rua e me prontificar a ajudar as pessoas que tem muitos bichos para cuidar”. Ela disse ainda que é preciso ter na cidade um plantão veterinário porque nos finais de semana e feriados não se encontra um profissional para atender urgências e emergências.
FALTA DE COMPAIXÃO
Sílvia disse que não dá os cachorros porque as experiências de doação só lhe causaram frustação. Ela contou que ficou chocada com a frieza de uma mulher que chegou na sua casa com um filhotinho. “Ela me disse que a filha pegou a cachorrinha e não era obrigada a aceitar. Se eu não ficasse com ela iria jogá-la no meio da rua. Eu disse para deixá-la comigo, mas se voltasse na minha porta ela iria apanhar, fiquei furiosa. É assustador o tanto de pessoas sem compaixão que existe por aí”.
A protetora dos cães também não solta os cachorros na rua porque na casa dela eles têm tudo que precisam. Ela deu um conselho a quem tem animais: “Não solte na rua, ande com seu bichinho na coleira e nunca o abandone porque são seres vivos, sentem dores, fome e têm sentimentos. Se vai abandonar na rua ou maltratar não pegue”.
Sílvia encerrou a entrevista fazendo um convite: “Quem quiser conhecer meus ‘amores’, o espaço que vivem e como são tratados podem vir até minha casa na Rua Henrique Paro nº 258. Todos serão muito bem-vindos”.
A servidora montou um esquema no momento da distribuição da comida para que todos cachorros comam igualmente.
Ela adotou uma ninhada de cinco cachorrinhos e conseguiu doar dois filhotes.
Sílvia: “Cuidar e brincar com os meus amores é a melhor coisa da vida”.
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