O aumento do envolvimento de menores em crimes e até em casos que ganharam repercussão nacional estimularam o debate e a pressão da sociedade para rever a legislação que, na opinião da maioria, não penaliza o menor infrator como deveria.
O governador Geraldo Alckmin encaminhou ao Congresso Nacional proposta que endurece as penas para acabar com a impunidade cometida pelos adolescentes, que devem ser responsabilizados criminalmente pelos seus atos.
Para o promotor Wilson Rogério de Souza (fotos), que assumiu o Ministério Público como titular há quase um ano, não há garantia de que a redução da maioridade penal resolveria os problemas ligados à criminalidade. Segundo ele, a onda de crimes no Brasil não para de crescer e a sujeição dos agentes à legislação penal não é suficiente para desestimular a prática de delitos.
Este e outros assuntos foram temas da entrevista concedida à reportagem, que procurou o representante do Ministério Público após constatar que o número de ocorrências de porte e tráfico de drogas, e até de crimes envolvendo menores, tem aumentado na cidade.
O Promotor ainda fala sobre as medidas socioeducativas, internação e que os pais podem sim ser responsabilizados judicialmente pela conduta transgressora dos filhos. Veja a entrevista a seguir
O COLINENSE: As ocorrências de porte e tráfico de drogas por menores têm ocupado cada vez mais espaço em nosso jornal. Existe uma causa para este aumento?
Promotor: O aumento do número de ocorrências está relacionado ao notório crescimento de usuários de entorpecentes, notadamente pela expansão do consumo de crack não só entre menores, mas também maiores de idade e dentro das diferentes classes sociais.
Algo tem sido feito para diminuir esta triste realidade?
A principal medida é tentar acabar com a oferta, ou seja, combater os fornecedores. Nesse sentido, há o trabalho diuturno dos policiais da cidade visando a apreensão destes criminosos. Quando o delito envolve menor de idade, seja por porte ou por tráfico, este é apresentado na Promotoria de Justiça e instaurado o respectivo procedimento visando a imposição da medida socioeducativa mais adequada ao caso.
Os pais podem ser responsabilizados judicialmente pela conduta transgressora dos filhos?
Sim, os pais podem ser responsabilizados caso o ato infracional praticado pelo filho, ou qualquer outro ilícito civil, cause danos a terceiros. É que, como regra geral, os pais são responsáveis pela reparação civil decorrentes de atos ilícitos praticados pelos filhos menores que estiverem sob seu poder e sua companhia. Assim, será responsável, por exemplo, o pai que permitir que o filho menor dirija veículo sem a devida habilitação e que cause dano a outrem, bem como que não exerça sobre o filho a devida vigilância, permitindo que ele venha a furtar ou roubar.
A Promotoria faz um levantamento dos casos que recebe? Houve aumento? De quanto?
De janeiro até esta data, já foram ajuizadas 10 representações pelo Ministério Público visando a imposição de medida socioeducativa pela prática de ato infracional equiparado ao crime de tráfico de entorpecentes por adolescentes da Comarca. Considerando que no mesmo período do ano passado, ou seja, de janeiro até o final de agosto de 2013, foram registradas onze representações, a média permaneceu quase a mesma em relação a estas infrações.
Os casos de internação na Fundação Casa também cresceram?
Conforme levantamento feito junto ao cartório judicial, durante este ano já foram decretados dezessete casos de internação, lembrando que a medida se justifica não apenas pela prática do ato infracional de tráfico de entorpecentes, mas também quando cometidos mediante grave ameaça à pessoa; por reiteração no cometimento de outras infrações graves; e também por descumprimento reiterado e injustificado de outra medida socioeducativa anteriormente imposta.
Hoje existem quantos colinenses internados? Em quais cidades?
Encerrado o processo de conhecimento, ou seja, com a prolação de sentença que impõe a internação ao adolescente, o respectivo processo de execução da medida socioeducativa passa a tramitar na comarca da unidade da fundação casa onde o adolescente estiver custodiado e não mais na comarca de Colina.
Uma das atribuições do MP é a infância e juventude. Nos casos de dependência química a Promotoria tem autonomia para pedir a internação do adolescente?
Sim, o Ministério Público tem legitimidade para a medida. No entanto, tendo em vista a existência do convênio firmado pela OAB para a disponibilização de assistência jurídica aos necessitados, as respectivas ações normalmente são ajuizadas por meio de advogado. Contudo, há a intervenção do Ministério Público nos referidos processos.
Existem casos na Comarca de menores que se envolveram em furtos e roubos por conta da droga?
Na raiz da maioria dos crimes patrimoniais e também dos atos infracionais da mesma natureza cometidos por adolescentes está a droga. Sabe-se que na maioria das vezes o infrator furta ou rouba não para comprar, por exemplo, uma roupa ou alimento, mas sim para adquirir drogas ou para acertar dívidas pendentes com traficantes.
As medidas socioeducativas têm ajudado na reabilitação dos menores ou o efeito é paliativo?
É relativo. Há adolescentes que assimilam a medida socioeducativa ao qual foi imposta com resultado positivo, assim como há condenados que após o cumprimento de pena não voltam a delinquir. Há menores, no entanto, que infelizmente não alcançam a ressocialização e, por vezes, voltam a reincidir na prática de atos infracionais ou cometem algum crime quando alcançada a maioridade penal.
Quais são as medidas socioeducativas? Elas são aplicadas pelo Juiz?
Advertência, Obrigação de Reparar o Dano, Liberdade Assistida, Prestação de Serviços à Comunidade, Semiliberdade e Internação e são impostas pelo Juiz, em procedimento próprio ajuizado pelo Ministério Público.
Elas são cumpridas em que locais? Por quanto tempo?
A de Liberdade Assistida e Prestação de Serviços à Comunidade, por serem medidas de meio aberto, são cumpridas na própria cidade em local e pelo período que o Juiz determina, sendo a primeira pelo prazo mínimo de seis meses e a segunda pelo prazo máximo de seis meses. Já a de semiliberdade e internação são cumpridas em entidade própria da Fundação Casa, nas cidades em que forem obtidas as vagas, por tempo indeterminado, mas no período máximo de três anos.
Em sua opinião, o número de adolescentes envolvidos com drogas está dentro da estatística ou é exagerado para uma cidade do porte de Colina?
O número pode ser considerado alto, mas, atualmente, o aumento do consumo de drogas é um problema social em expansão que atinge todo o País.
O menor, sabendo que não será penalizado por delitos e crimes, incentiva a transgressão da lei e até o envolvimento deles com o tráfico?
Embora ao adolescente não seja aplicada pena, mas medida socioeducativa que objetiva sua ressocialização, é falsa a ideia de que o menor não sofre nenhuma penalização. Por exemplo, se um menor a partir dos 12 anos de idade praticar ato infracional que justifique sua internação, incluindo-se aí o tráfico de entorpecentes, poderá ter sua custódia provisória decretada por 45 dias, medida esta semelhante à prisão temporária ou preventiva prevista na legislação penal para o maior de idade. Por outro lado, a internação na Fundação Casa, a inserção em regime de semiliberdade, a liberdade assistida e a prestação de serviços à comunidade, previstas no ECA, são iguais ou muito semelhantes àquelas previstas no Código Penal para os adultos, ou seja, prisão em regime fechado, parecida com a internação; regime semiaberto, semelhante a semiliberdade; prisão albergue ou domiciliar, tal como a liberdade assistida; e a prestação de serviços à comunidade, exatamente igual para menores e adultos.
A redução da maioridade penal e a mudança do ECA são o caminho para responsabilizar os menores pelos seus atos?
Sem adentrar no campo da possibilidade jurídico-constitucional para a redução da maioridade penal, não há garantia de que esta medida resolveria, de fato, os problemas ligados à criminalidade. A realidade demonstra que a onda de crimes no Brasil não para de crescer, o que por si só mostra que a simples sujeição dos agentes à legislação penal não é suficiente para desestimular a prática de delitos.
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