Um minuto de barulho

Não inaugurou, por pouco não debutou. Não é apenas um prédio pegando fogo. Não são apenas poltronas ou milhões em dinheiro destruídos. O fogo consumiu o que o descaso aos poucos ao longo de anos já vinha consumindo. São anos de formaturas, cursos e oficinas não realizadas. Não era apenas um teatro. Seria um CENTRO CULTURAL, munido com salas multiuso e ampla biblioteca. E a porta, que abriria o caminho para o conhecimento, lacrou uma geração inteira.

Não saberia explicar aqui a magia que é estar num palco, pois é apenas a vivência de um palhaço, que encontrou fora da cidade a possibilidade de viver do que sempre quis, mas sempre acreditou que um dia voltaria as suas raízes, que se apresentaria em sua cidade e seria aplaudido como foi em tantas cidades por onde passou e acumulou prêmios. Não há premiação maior para um artista do que o aplauso. Mais no dia 06 de janeiro de 2017 o pano caiu. A negra fumaça anunciou o fim do espetáculo, um espetáculo fúnebre, o drama de um palco que nunca viu artistas, de poltronas que nunca foram ocupadas, livros que nunca foram lidos e possibilidades que nunca foram sequer aproveitadas por jovens que ao invés de fumar maconha na também condenada academia de madeira existente no mesmo local, poderiam estar fazendo um curso, assistindo uma palestra ou ter a experiência única de prestigiar um espetáculo teatral.

Criminoso ou não, jamais vamos recuperar os anos perdidos e não desfrutados deste maravilhoso equipamento que tinha tudo para ser um dos melhores da região. Maior do que o incêndio é o crime cultural do descaso com a população que anseia por qualidade de vida num parque de possibilidades mal exploradas. Mas estamos acostumados com pouco, para que mais lixeiras? Para que paisagismo no local? Banheiro, bebedouro de água ou uma academia de verdade? Vamos improvisar! Amarramos uma rede entre árvores e jogamos como se não tivéssemos direito ao lazer.  Seria conivente fazer um minuto de silêncio, e até faria, pela idealizadora do parque, que inclusive tive a honra de ter o projeto original em mãos. Ela sonhava com espaços de convivências, cantinho dos namorados, jardins modernos e amava resedás.

Nos acostumamos a ficar em silêncio, porque temos medo de falar demais e sofrer represárias.  E caminhamos com nossos amigos na pista construída no local, que pista boa, não é? Quantas vezes passamos pelo prédio que já sofria em silêncio com seus vidros trincados anunciando o desperdício de nosso dinheiro e não falamos nada. E vamos continuar passando pelo local, talvez agora coloquem algumas placas de madeira, iguais aquelas que colocaram para cobrir o assoreamento do sumidouro do lago. Verdade que você nunca notou? Melhor não falar sobre isso, vamos ficando assim, em silêncio, porque somos cidadãos pacatos e moradores da pitoresca cidade que não precisa de barulho.

Vagner Cotrim


Postado em 14/01/2017
Por: A Redação
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