“Márcia do Cartório” conta a trajetória de 41 anos de profissão que começou com convite da vizinha
Escrevente não se esquece do casamento em que noivo disse “não” na cara da noiva e do juiz
As expressões “o cartório da Márcia” ou “a Márcia do cartório” são utilizados pela maioria das pessoas para se referir tanto ao prédio como a escrevente Márcia Martins Belo, 59 anos, que ficou conhecida desta forma pela profissão, que chegou ao fim no final do ano passado após 41 anos de dedicação ao único emprego que teve na vida, coisa rara de se ver nos dias de hoje.
Tanto é verdade que as pessoas costumam procurar a ex-escrevente em casa para tirar algumas dúvidas. “Com tantos anos de trabalho as pessoas se acostumaram comigo, adquirimos uma relação de confiança e amizade. Quando isso acontece falo para procurarem o tabelião e os escreventes que são preparados para ajudá-los”, relatou Márcia que acrescentou, “um dia desses encontrei um senhor numa loja que me perguntou se estava de férias e respondi que tinha aposentado. Ele não se conformou. A gente só tem a ganhar em atender as pessoas com carinho, simpatia e atenção. Sempre dei meu melhor, nunca perdi noite de sono, entrei com a cabeça erguida e saí da mesma maneira”, destacou a escrevente que apesar de estar aposentada há 6 anos, continuou exercendo o ofício até o dia 31 de dezembro, seu último dia de trabalho no Tabelião de Notas e Protesto de Letras e Títulos.
NETO INFLUENCIOU NA DECISÃO
A decisão de parar foi difícil, mas o neto Fernando influenciou bastante. “Se não tivesse meu neto acredito que ainda continuaria trabalhando. Minha mãe criou a Bruna, eu não tive tempo para curtir a infância dela, então quero aproveitar para ficar com meu neto que quando não está na creche fica comigo para minha filha trabalhar. É uma felicidade quando vou buscá-lo na creche”, revelou Márcia que acrescentou, “estou amando a aposentadoria, tenho tempo para curtir minha casa, algo que nunca fiz porque no final de semana o serviço era dobrado para colocar tudo em ordem para começar mais uma semana de trabalho. Agora faço tudo com tranquilidade. Quero viajar, conhecer lugares que tenho vontade, descansar, aproveitar a companhia do meu marido Dorival e família”.
TUDO MUITO RÁPIDO
Ela pediu a aposentadoria com 35 anos de serviço e diz que recebeu uma graça porque tudo foi muito rápido. “Fiquei um ano aguardando as certidões ficarem prontas para me aposentar e um dia Deus colocou um anjo para me atender. Ele perguntou meu nome completo e alguns dados pessoais, fez a consulta no sistema e argumentou: por que a senhora está pedindo certidões? O seu tempo está correto, não precisa destes documentos. Ele me orientou como proceder e depois de 30 dias recebi a carta comunicando que estava aposentava e meu primeiro pagamento já estava disponível no banco. Foi uma das melhores coisas que me aconteceu”, recorda Márcia que ingressou no cartório aos 18 anos, a mesma idade que a filha Bruna também começou no cartório há 12 anos.
O CHAMADO DA VIZINHA
“Uma moça saiu e a vizinha dos meus pais, Norma Colete, que já trabalhava no local, me chamou. Nem era casada ainda, o que aconteceu só 9 anos depois. Comecei fazendo a limpeza e serviço de rua, depois passei para auxiliar e por último escrevente, função que exerci até me aposentar. Nunca esqueço da oportunidade que a Norma me deu, uma grande amiga por quem tenho muito carinho e admiração”, revelou Márcia que também ficou responsável pelo cartório por um ano e sete meses após a saída do titular, que passou em concurso e foi embora para Ibaté. “Isso aconteceu há quase 3 anos quando o Bruno de Lucca era o tabelião do cartório. O juiz me nomeou tabeliã designada até que um novo titular assumisse a função após a realização de concurso. Quando o Tiago Elias Barelli, que é responsável pelo cartório atualmente, ocupou o cargo de tabelião retornei a função de escrevente”, explicou.
Ela disse que quando ingressou no cartório havia também o registro civil. “O Registro Civil foi anexado ao Registro de Imóveis quando chegou em Colina há alguns anos e continuamos como Tabelião de Notas e Protestos que realiza procurações escrituras, inventários, reconhecimento de firmas, autenticações e a parte de protesto de títulos”.
OS TABELIÃES DO CARTÓRIO
Vários tabeliães passaram pelo cartório nos 41 anos de serviço da escrevente. “Meu primeiro chefe, Paulo de Melo Bulhões, era uma pessoa muito boa e foi um pai pra mim. A filha dele trabalhava no cartório e pelo jeito dela a gente desanimava um pouco, mas ele sempre me dava força e dizia: você vai se dar muito bem aqui, terá sucesso porque tem potencial. Após a morte dele a filha ficou com a gente até se aposentar. Em seu lugar assumiu José Carlos Torneli, que considero meu 2º pai no cartório. Nunca vou esquecer do jeito dele educado e gentil. As sucessoras foram Maria Elvira Pavan, Rosana Tichonink, de Jaborandi, que também foi designada pelo juiz para tomar conta do cartório por um tempo, Bruno de Lucca que também me marcou bastante e o atual tabelião Tiago Barelli. A gente se deu bem desde o primeiro dia. Antes de sair ele me presenteou com uma medalha pelos 41 anos de serviço, um gesto que nunca esquecerei”.
“NÃO” AO JUIZ DE PAZ
O fato mais inusitado de que Márcia se recorda foi na época em que o cartório ainda era responsável pelo registro civil. “Na época do José Carlos Torneli o juiz de paz era o saudoso Lincoln Etchebehere. Em um dos casamentos o noivo respondeu que não queria se casar, na cara dele e da noiva, parece que estou vendo a cena, o noivo todo de branco, usando uma gravata azul e a noiva também muito bonita. O Sr. Lincoln disse que ele tinha 24 horas para decidir senão os papéis seriam cancelados. No outro dia o casal estava lá, mas quando saíram cada um foi para um lado. Ela estava grávida e o casamento foi uma imposição dos pais, mas os dois não queriam o casamento, tanto é que depois de um tempo se divorciaram e constituíram família com outras pessoas. Isso aconteceu há mais de 30 anos e se tornou inesquecível”.
DA CANETA TINTEIRO AO COMPUTADOR
O pessoal do cartório sempre fazia cursos de aprimoramento para atendimento do público e reconhecer a autenticidade dos documentos. A era digital facilitou muito o serviço que evoluiu bastante ao longo das décadas. “Comecei fazendo escritura na caneta tinteiro e sofri muito para aprender porque era muito leve e não podia colocar peso na mão para escrever. Quando já estava craque surgiu a máquina de escrever e fui fazer curso de datilografia no Primec com a Zélia Zamperlini. A gente demorava até dois dias para fazer uma escritura. O computador facilitou muito porque você grava e usa o modelo novamente. Hoje no máximo em uma hora fazemos uma escritura”.
EMOÇÃO E AGRADECIMENTO
A entrevistada se emocionou ao lembrar-se do incentivo que os pais Antônio/Natalina lhe deram. “Houve momentos que pensei em desistir, mas meus pais sempre estiveram ao meu lado, me apoiando e incentivando. Tenho certeza que tudo que vivi foi proporcionado por Deus. Agradeço todos tabeliães que passaram pelo cartório e confiaram em mim. A minha família foi o principal motivo de persistir sempre”. Ela também dá um conselho para os mais jovens, que estão iniciando a vida profissional. “Não importa o cargo que ocupe sempre dê o melhor e nunca faça distinção entre as pessoas, somos todos iguais e dignos de respeito e educação”, finalizou a aposentada que agradeceu todo o carinho que recebeu de cada pessoa que atendeu nestes 41 anos de profissão, que foram um aprendizado que ela levará para toda vida.
A aposentadoria foi uma das melhores coisas que já aconteceu na vida da escrevente.
Agora Márcia tem muito tempo para curtir a filha Bruna, neto Fernando e o marido Dorival.
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