Outubro, Mês do Médico, da Medicina. É destaque especial que temos anualmente possibilitando a cada um de nós meditar sobre a nobreza intrínseca à profissão e sobre a importância de nossa arte em prol da saúde e do bem-estar da sociedade brasileira.
São jornadas médicas tão longas e exigentes; movidas pelo desejo de fazer a diferença na vida do outro. Cada diagnóstico exato, cada tratamento bem-sucedido e cada laço criado com os pacientes recompensam a dedicação.
Contudo, os desafios e as ameaças que espreitam nossa classe impedem uma comemoração completa. Desafinando o coro dos “tá ótimo assim”, hoje convido-as (os) à reflexão e, sobretudo, à mobilização.
Em primeiro lugar, é tempo de arrumarmos a casa após mais de três anos assombrados pela emergência de saúde global da Covid-19, cujo fim foi declarado no recente maio de 2023. A impressão é de parecer que foi ainda ontem. E foi mesmo.
Vivemos tribulações sem precedentes na trajetória humana desde 2020, em especial no Brasil, uma das nações onde, por uma série de razões – incluindo o negacionismo científico e o obscurantismo intelectual – que mais mortes pelo vírus foram registradas.
Nossos médicos estiveram na linha de frente, enfrentando riscos significativos para salvar e proteger a saúde das pessoas. Em nome da Associação Médica Brasileira, mais uma vez, ficam os votos de admiração e gratidão.
Neste presente momento, mais uma vez os “vírus” continuam a atacar as bases da qualidade da medicina e gerar sobressaltos aos médicos. Na prática diária, necessitamos de bons profissionais e boa estrutura. Ambos, infelizmente, bastante comprometidos nos tempos atuais.
Ainda assim, creio que temos quadros qualificados e em número razoável. O que não há é uma carreira com progressão para atrair interesse, afinal, médico é um profissional prestador de serviços, do qual retira o sustento paa si e para a sua família. Não se pode condenar quem opta por um serviço privado, por pesquisa, pela universidade. Quem erra é o Estado ao não trabalhar neste sentido e ainda ao não desenvolver um plano de distribuição de vagas por todo o país com incentivos diferenciados, baseados em meritocracia e carreira de estado, não em políticas de governo, que são efêmeras, mudam de tempos em tempos e funcionam como verdadeiras políticas “tapa buracos”.
Incentivos, registre-se, ponderando distância de centros de atualização científica, que envolvem o processo de formação dos filhos, a superação de barreiras físicas e financeiras para viagens a congressos científicos, entre outros, que, uma vez identificados, têm que ser considerados, sob pena de não se conseguir alocar médicos, profissionais de longa e complexa formação, nestes locais, muitas vezes inóspitos e afastados dos grandes centros com melhor qualidade de vida. A propósito, busca de melhor qualidade de vida é uma aspiração de qualquer profissional seja ele quem for, um advogado, um engenheiro, um professor, um médico etc.
Circula ainda a falsa ideia segundo a qual a solução para a falta de assistência nos rincões do país é formar mais médicos. Ora, investir em formação desenfreada, priorizando quantidade em detrimento de qualidade, abrindo escolas aos borbotões e flexibilizando diplomas estrangeiros, é um fracasso anunciado.
De acordo a atualização do estudo Demografia Médica no Brasil 2023, lançada pela AMB em parceria com a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) em setembro, temos 2,69 médicos para cada 1.000 cidadãos, com distribuição desigual no país. O estudo, que foi feito a partir dos mais recentes dados apresentados pelo Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revela que 70% dos médicos se concentram onde vivem menos de 30% da população. Em fevereiro, a Demografia Médica já havia apontado que foi registrada, na última década, a maior expansão do ensino médico da história do Brasil. Contávamos 389 escolas que, juntas, ofereciam 41.805 vagas de graduação em 2022. Não precisamos de mais.
Agora pensemos um pouco em outras carreiras. Um piloto, por exemplo, depois de completar o curso na escola onde aprende a pilotar, precisa comprovar que tem as habilidades requeridas para conduzir uma aeronave de grande porte, transportando passageiros, ou um avião comercial, com mercadorias e cargas. Sua capacidade não pode ser apenas presumida.
O mesmo acontece conosco: não comprovando nossas competências, abrimos brecha para flexibilizar a segurança dos pacientes, que é – ou deveria ser – inegociável. A AMB apoia fortemente o Projeto de Lei 4667/20, que estabelece que os médicos terão de ser aprovados em um exame nacional de suficiência em medicina, com provas teórica e prática, para exercer a profissão no Brasil.
Ainda sobre exames, destaco a indispensabilidade do Revalida. A prova permite a aferição técnica de conhecimentos e habilidades de forma idônea e transparente, reduzindo a exposição dos pacientes a profissionais sem a devida capacitação.
Não há traço de xenofobia neste posicionamento; médicos de outros países são bem-vindos aqui, e desejamos que brasileiros que decidem trabalhar no exterior também sejam recebidos com respeito e apreço. Porém, todos devemos comprovar competências e habilidade, diga-se, qualificação, para atender pacientes com resolutividade e segurança.
Não atuamos sozinhos – parafraseando o poeta John Donne, “nenhum médico é uma ilha”. O atendimento eficaz demanda equipes competentes e unidades básicas de saúde com estrutura e equipamentos adequados. Lado a lado com as forças democráticas da sociedade, temos de enfrentar com coragem os desafios que afetam a assistência às pessoas. Somos agentes de mudanças . Aproveite este mês outubro, no qual sempre no dia 18 comemora-se o Dia do Médico, para saber mais sobre as ações da AMB.
Parabéns e obrigado a todos.
César Eduardo Fernandes, presidente da Associação Médica Brasileira