Neste ano ao celebrar o tempo da Quaresma, a Igreja nos propõe uma realidade que nos convida a empenharmos nossas forças para que a nossa conversão possa refletir na nossa vida comunitária e social o tema da “amizade social”.
Esta realidade se inspira na Carta Encíclica do Papa Francisco “Fratelli Tutti” (Todos Irmãos) no qual ele propõe um projeto de fraternidade baseado na amizade social e no amor político, tendo o diálogo como caminho necessário para a cultura do encontro.
Entre as muitas definições que pode se dar à amizade social, podemos dizer que se trata do amor presente em todas as relações; trata-se da nossa vocação para formar uma comunidade feita de irmãos que se acolhem mutuamente e cuidam uns dos outros.
O Papa Francisco afirma que amizade social é “o amor como base da relação entre as pessoas e os povos, é o amor feito cultura” (FT 95).
A proposta da amizade social é um chamado à verdadeira conversão, quando consideramos que hoje não nos sentimos mais responsáveis uns pelos outros, como também temos tanta dificuldade em aceitar as pessoas que pensam e agem diferentemente de nós. As diferenças tornaram-se inimizades e, ainda mais grave, o diferente tornou-se ameaça e é tratado como inimigo.
A contradição do nosso tempo está no fato de que vivemos fisicamente próximos, mas existencialmente distantes. Não buscamos o encontro com o outro; trocamos o relacionamento humano, por um outro tipo de relacionamento qualquer, desumano e desunamizador, possessivo, utilitário, que não dá ao outro o direito de ser ele mesmo. Tornamo-nos incapazes de nos colocar no lugar do outro, incapazes do que Jesus chama, no Evangelho, de compaixão, de padecer o sofrimento alheio.
O texto bíblico que inspira a conversão para a amizade social é do Evangelho de Mateus, capítulo 23. Jesus censura os fariseus e doutores da Lei que se serviam da religião judaica para assegurar os seus próprios interesses. Haviam transformado a prática da Lei de Moisés no cumprimento de uma infinidade de preceitos, descuidando do que é o mais querido por Deus: a justiça, a fidelidade e a misericórdia.
Aos que se consideravam superiores aos outros por causa de sua religiosidade, Jesus declara: “Vós sois todos irmãos e irmãs…” (cf. Mt 23,8). Ao considerar nossa prática quaresmal como esforço de converter-nos, as palavras de Jesus tornam-se inspiradoras. Nossa conversão será autêntica se partir da compreensão, se chamados a Deus como Pai, declaramos que somos todos irmãos. Afinal, não se trata do “meu” Pai, mas do “Pai nosso”.
São muitas as atitudes que decorrem da proposta da Campanha da Fraternidade, cujo tema é “Fraternidade e Amizade social”. O Evangelho nos revela, a cada página, nas atitudes e palavras de Jesus, que o “amor” está no centro do anúncio do Evangelho. Quando interrogado por um mestre da lei qual é o primeiro de todos os mandamentos, Jesus responde que se trata de amar a Deus e amar ao próximo. O doutor da Lei conclui dizendo que cumprir este mandamento “vale mais do que todos os holocaustos e todos os sacrifícios” (Mc 12, 33), e Jesus declara “Tu não estás longe do Reino de Deus” (Mc 12,34).
Quando interrogado por outro mestre da Lei “quem é o meu próximo?” (Lc 10,29); Jesus responde com a parábola do bom samaritano, levando o mestre da Lei a compreensão de que próximo é aquele que usa de misericórdia para com os outros. Jesus concluiu dizendo: “Vai, e também tu, faze o mesmo” ( Lc 10,37).
O apelo que a Campanha da Fraternidade nos faz neste ano, quando propõe a amizade social como tema da Campanha, é “fazer-nos próximos”, não nos deixarmos enganar pelos discursos e propagandas de ódio, de discriminação, de preconceitos e exclusão, muitas vezes sob o manto da religião.
Deixemos que as palavras de Jesus ressoem fortemente ao nosso coração neste tempo quaresmal: “Vós sois todos irmãos e irmãs”!
Dom Milton Kenan Júnior
Bispo de Barretos