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Famílias que saíram da Venezuela estão vivendo em Colina

Imigrantes contam que deixaram o país antes da situação piorar ainda mais

As imagens de refugiados cruzando a fronteira do Brasil em busca de uma oportunidade melhor de vida nem imagina que quatro famílias que fizeram essa travessia estão vivendo aqui em Colina. As primeiras chegaram há cerca de três anos e outras estão aqui há menos tempo.

A venezuelanas Lausmary D´Ávila e Lusianny Sabrina Medina se conheceram em Roraima, porta de entrada no Brasil para os refugiados e vieram juntas com as famílias para cá. Na entrevista à reportagem as duas contam que a decisão de sair do país de origem foi bem dolorosa, mas inevitável. Elas relatam que o processo de adaptação foi difícil e as barreiras que enfrentaram por serem imigrantes, como o idioma e o preconceito.

As duas disseram que todo mundo pergunta como chegaram em Colina, mas antes disso é preciso entender que elas não tiveram escolha. As famílias deixaram tudo para trás, inclusive suas casas na Venezuela que estão sob o cuidado de parentes. Ambas possuem graduação superior, Lausmary trabalhava de enfermeira em um hospital em Ciudad Bolivar onde morava e Lusianny era farmacêutica na cidade natal de El Tigre. As duas cidades são de porte grande com milhares de habitantes, bem diferente de Colina que estranharam bastante o tamanho. As imigrantes disseram que deu para conhecer o município todo rapidinho.

A situação política, econômica e humanitária da Venezuela tem obrigado milhares de cidadãos a abandonar o país e procurar refúgio em Roraima para começar uma nova vida. Muitos fazem a travessia a pé, viajam por dias até cruzarem a fronteira com o Brasil. As entrevistadas fizeram a viagem de cerca de quatro horas de carro e de ônibus com os esposos e os filhos em épocas diferentes e trouxeram na bagagem apenas as roupas, mas o coração estava cheio de esperança.

EXPERIÊNCIAS DIFERENTES

Lusianny entrou em Roraima em 2019 e foi uma decisão difícil. “Com medo da situação piorar saímos antes da Venezuela. Você até tinha dinheiro, mas não conseguia comprar o que necessitava porque o preço era extremamente caro, não compensava. A inflação gerou muita escassez e não tinha outro jeito. Vim com meu marido Yamil, meus filhos Samuel de 6 anos e Sofia de 14, minha irmã, o esposo dela e sobrinhos. Desde o primeiro dia moramos em uma casa alugada, mandamos o dinheiro antes de chegar, o imóvel não tinha nada, nenhum móvel. Primeiramente compramos o fogão e o botjão de gás, trouxe colchões infláveis da Venezuela. Durante os quatros anos em Roraima tive muitas ocupações (babá, encarregada de produção, faxineira) e quando saímos de lá exercia a função de cozinheira em uma empresa com vários funcionários. Recebia 350 reais por semana o que dá em média cerca de R$ 1.400,00 mensal”, explicou a imigrante.

Lausmary saiu da Venezuela porque a situação estava caótica. “Como enfermeira padrão ganhava muito pouco e não conseguia comprar nada. Meu marido Jackson e eu resolvemos nos arriscar em um garimpo dentro da Venezuela, porém não deu certo. Acabei ficando grávida e por conta das dificuldades acabei perdendo o bebê. Em 2023 decidimos vir para Roraima com nossos filhos Jheryckson de 6 e Jheyker de 12 anos, onde ficamos por quase 9 meses. Inicialmente moramos na casa de amigos até conseguirmos uma casa e pouco a pouco fomos comprando as coisas que precisávamos. Eu trabalhava como designer de sobrancelha e manicure e meu esposo de pedreiro”.

A PROPOSTA

“Os nossos esposos receberam propostas de emprego de uma Organização Não Governamental de Roraima, que presta assistência aos imigrantes, para trabalhar numa empresa de Colina. Essa ONG se encarregou de nos trazer até aqui e pagou todas as despesas, inclusive as passagens de avião. Quando chegamos na casa onde ficamos com nossas famílias, na Nova Colina e Jardim Califórnia, a empresa de Colina, que contratou nossos maridos, já tinha mobiliado o imóvel e até deixado a comida pronta nos esperando. A ONG intermediou a nossa vinda e se encarrega de encontrar a família qualificada para a vaga na empresa”, contaram as imigrantes que se conheceram em Roraima, no processo chamado de interioração que é feito para auxiliar na adaptação das famílias à nova realidade. A família de Lusianny atualmente está morando próximo à rodoviária.

Lusianny disse que a saudade é o mais difícil. “Me separei da minha família, mais os mais próximos estão vivendo em Roraima, também saíram da Venezuela. Minha mãe está em Roraima e logo vem nos visitar”. Ao contrário da Lausmary, que a família toda continua na Venezuela. “Tenho muitas saudades de todos e no início foi mais complicado porque tudo era novo. O idioma continua sendo um obstáculo, mas já melhorei bastante porque como trabalho com beleza preciso interagir com minhas clientes. As pessoas pensam que o espanhol e o português são línguas semelhantes, mas acredite é bem diferente”.

Lusianny quando chegou em Colina trabalhou de cuidadora por nove meses, mas está à procura de um emprego com carteira assinada. Este também é o anseio de Lausmary que, embora trabalhando como autônoma, anseia por uma oportunidade profissional. As famílias não recebem ajuda do governo e nem participam de programas sociais. “O imigrante com nível superior tem que estudar e passar por avaliação para exercer a profissão no Brasil, então estamos à procura de emprego para ajudar nas despesas domésticas”.

ESPERANÇA DE REGRESSO

As imigrantes agradecem a colhida do povo brasileiro, mas o desejo é de um dia regressarem ao seu país. “Tudo que temos está lá, principalmente a nossa família. A crise ainda não passou, refugiados continuam chegando na fronteira. Se a situação na Venezuela mudar vamos retornar, porém se continuar dessa maneira permanecemos no Brasil. Gostamos deste país e chorávamos todos os dias, mas o povo brasileiro nos acolheu e nos deu uma nova oportunidade de vida. Colina é uma cidade pequena, mas tranquila e de muita gente boa. Aqui dá para a gente sustentar as nossas famílias”.

PRECONCEITO POR SER IMIGRANTES

Para Lusianny não é fácil viver num país que não é o seu. “Só quem já viveu essa experiência vai entender o que estou falando. Passei muita humilhação e sofri preconceito pelo fato de ser venezuelana. Chegava 6 horas no trabalho e me desdobrava em muitos serviços, chorava o tempo todo. Era dispensava tarde da noite e para chegar na casa, que dividíamos com outras pessoas, caminhava cerca de uma hora. Encontrava meus filhos já dormindo e de tão cansada só passava uma água no rosto e nos braços para dormir. No outro dia acordava de madrugada, tomava banho e saía 5h para estar no serviço às 6h”.

ELOGIOS À SAÚDE E EDUCAÇÃO

As venezuelanas elogiaram o atendimento na saúde e na educação oferecido em Colina. “Aqui as escolas são muito boas e com transporte para os alunos. Nossos filhos estudam na Lamounier de Andrade, na escola da Nova Colina e na creche da Vila Fabri”.

Lusianny contou que tem um tio na Venezuela com problema cardíaco. “Ele precisa fazer um cateterismo que custa 5.500 dólares, cerca de 30 mil reais. Aqui no Brasil você pode até esperar um pouco, mas faz pelo SUS de graça”.

As famílias das venezuelanas já precisaram dos serviços de saúde oferecidos em Colina e foram muito bem atendidas. Lusianny realiza acompanhamento de saúde na rede pública e não tem queixas. O filho de Lausmary quebrou o punho e precisou passar por cirurgia, tudo foi rápido e correu bem.

As famílias construíram uma nova vida, mas lamentam que muitos não tiverem a mesma oportunidade e continuam na Venezuela, país regido por um governo autoritário e repleto de polêmicas.

Venezuelanas Lusianny e Lausmary, com o filho Jheryckson, que receberam a reportagem em casa para a entrevista.