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Justiça determina devolução ao TJSP de processode improbidade contra o prefeito Mi

Uma decisão recente do Tribunal Superior trouxe novos desdobramentos ao processo de improbidade administrativa que envolve o prefeito de Colina, Valdemir Antonio Morales “Mi”.
O caso, que trata da realização da XXXV Festa do Cavalo de Colina, ocorrida em 2012, voltou ao centro do debate jurídico após o acolhimento de embargos de declaração que resultaram na anulação parcial de uma decisão anterior e na determinação de devolução dos autos ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP).
O objetivo da medida é que o Tribunal paulista reexamine o processo à luz das mudanças promovidas na Lei de Improbidade Administrativa (LIA) pela Lei nº 14.230/2021, bem como do entendimento consolidado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do Tema 1.199, que trata da aplicação retroativa das normas mais benéficas aos réus em ações que ainda não tiveram trânsito em julgado.
O processo em questão teve origem em uma ação de improbidade administrativa ajuizada pelo Ministério Público, que apontou suposta dispensa indevida de licitação para a contratação de uma empresa e do empresário responsável por um cantor que se apresentou na Festa do Cavalo. Segundo a acusação, a contratação teria ocorrido de forma irregular, com prejuízo aos cofres públicos e violação aos princípios da administração pública.
Em julgamento anterior, o TJSP havia mantido a condenação dos envolvidos com base nos artigos 10 e 11 da Lei de Improbidade Administrativa, em sua redação original. Esses dispositivos tratam, respectivamente, de atos que causam prejuízo ao erário e de atos que atentam contra os princípios da administração pública. Na ocasião, embora tenha sido mantida a condenação, o Tribunal reformou a dosimetria das penas aplicadas, ajustando sanções impostas aos réus.
No acórdão então proferido, os desembargadores consignaram que havia prova suficiente da existência de “dolo genérico”, afirmando que o agente público, em conjunto com corréus, teria agido em conluio para onerar o erário municipal. À época, esse entendimento era compatível com a legislação vigente, que admitia a condenação por improbidade administrativa com base na comprovação de dolo genérico ou até mesmo de culpa, em determinadas hipóteses.
NOVA LEGISLAÇÃO
Entretanto, o cenário jurídico sofreu uma mudança significativa com a entrada em vigor da Lei nº 14.230/2021, que promoveu uma ampla reforma na Lei de Improbidade Administrativa. Entre as principais alterações, está a exigência expressa de comprovação de “dolo específico” para a caracterização de atos ímprobos, inclusive nos casos previstos nos artigos 10 e 11. Além disso, a nova legislação revogou a modalidade culposa de improbidade, tornando mais rigorosos os requisitos para a condenação de agentes públicos.
De acordo com a nova redação da lei, não basta mais demonstrar a intenção genérica de praticar o ato. Passou a ser necessário comprovar que o agente agiu com a finalidade específica de obter resultado ilícito, como causar dano ao erário ou violar deliberadamente os princípios da administração pública.
A questão da aplicação dessas novas regras a processos em curso foi enfrentada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Tema 1.199, que fixou o entendimento de que as normas mais benéficas introduzidas pela Lei nº 14.230/2021 podem retroagir para alcançar ações de improbidade que ainda não tenham transitado em julgado. Trata-se da chamada “retroatividade mitigada.
Foi justamente com base nesse novo contexto jurídico que o Tribunal Superior acolheu os embargos de declaração no caso envolvendo o prefeito Mi. Ao analisar o acórdão do TJSP, o relator observou que, embora tenha sido reconhecida a existência de dolo genérico, não houve manifestação expressa sobre a presença ou não do dolo específico exigido pela legislação atual.
Segundo destacou o relator, o dolo genérico, que era suficiente para a configuração do ato ímprobo na redação anterior da LIA, foi tacitamente revogado pela nova lei. Assim, uma condenação que se sustente apenas nesse fundamento não atende mais aos requisitos legais vigentes. Diante dessa lacuna, o Tribunal entendeu que não seria possível manter a condenação sem que houvesse uma análise clara e específica sobre o novo elemento subjetivo exigido.
A decisão, portanto, determinou a devolução dos autos ao Tribunal de Justiça de São Paulo, para que a Corte estadual reexamine o caso e se manifeste expressamente sobre a existência, ou não, do dolo específico. O relator foi enfático ao afirmar que essa reanálise é indispensável para garantir a conformidade da decisão com o novo regime jurídico da improbidade administrativa.
O Tribunal Superior também esclareceu que, caso o juízo de origem conclua pela ausência do dolo específico, o pedido de condenação deverá ser julgado improcedente.
Ainda segundo a decisão, se o acórdão anterior já tivesse afirmado de maneira categórica a presença apenas de dolo genérico, seria possível declarar a improcedência de imediato, sem necessidade de retorno dos autos. No entanto, como o fundamento utilizado pelo TJSP indicou a existência de dolo genérico, mas não afastou nem confirmou expressamente o dolo específico, tornou-se obrigatória a reanálise pelo Tribunal local.
Enquanto o caso não é novamente julgado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, a decisão não implica absolvição automática nem confirmação da condenação, mas sim a necessidade de um novo exame criterioso, alinhado às exigências atuais da Lei de Improbidade Administrativa e à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.