Fluxo de Atendimento, criado em Colina, funciona de forma articulada para proteção de crianças e adolescentes
Um grande público, convocado pelo Ministério Público, participou na tarde do último dia 3, na Câmara Municipal, de reunião de apresentação do Fluxo de Atendimento de Crianças e Adolescentes Vítimas de Violência, instituído em Colina.
O Fluxo é acompanhado e monitorado pela Comissão Intersetorial juntamente com a Promotoria de Justiça, representada pela promotora substituta Dra. Paloma Marques Pereira, que explicou a criação, funcionamento e objetivo deste serviço de fundamental importância para proteção das crianças e adolescentes colinenses vítimas de violência. Os membros (titulares e suplentes), que compõem a Comissão, foram nomeados por meio da Portaria Municipal nº 571, de 14/08/23.
O público, composto por secretários municipais, representantes de entidades, escolas e projetos sociais lotou à sede do Legislativo. A reunião contou ainda com a participação do prefeito Dieb e sargento Hespanhol. Dos 11 vereadores apenas quatro participaram da reunião: Valdir, Fátima, José Afonso e Rafael.
DEVER DE PROTEÇÃO
A promotora começou explicando que o artigo 227, da Constituição Federal, estabelece que é prioridade máxima colocar crianças e adolescentes a salvos de qualquer tipo de violência, de negligência, discriminação, exploração, crueldade e opressão. “Aqui colocamos todas rusgas e picuinhas políticas de lado. A Constituição diz que a obrigação de proteção de crianças e adolescentes é da família, sociedade e Estado, ou seja, de todos nós que estamos em Colina. Existe também uma Normativa Federal, a Lei 3.431, de 2017, que estabelece a criação de um sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência e estabelece medidas de assistência e proteção”, ressaltou a representante do MP.
“A partir de hoje vamos notificar todas as formas de violência. Em quatro anos nesta Comarca identifiquei uma deficiência de notificação por diversas razões. O primeiro passo e desmistificar a ideia de crimes sexuais e pré-julgamentos. Não vai mais caber em Colina pré-julgamentos para que não se jogue mais para debaixo do tapete situações INACEITÁVEIS e criminosas”, destacou Dra. Paloma que acrescentou: “Espero profundamente que haja sensibilização da sociedade como um todo. Caso isso não ocorra que exista o medo de punição. Vamos trabalhar em duas frentes: protetiva e a frente de responsabilização criminal de quem quer que seja, rico, pobre, influente ou não-influente. Todos somos escravos da lei e ela será aplicada”.
AÇÕES COORDENADAS
As ações da justiça, segurança pública, assistência social, educação e saúde deverão ser de forma articulada, coordenada e efetiva voltada para o atendimento integral às vítimas de violência.
“Esse é um problema de todos e obrigação do município quanto política pública. Não vamos mais terceirizar problemas, mas assumi-lo e andar juntos para solucioná-lo. O fluxo de atendimento vai atuar em rede com a educação, esporte, assistência social, projetos sociais, Conselho Tutelar, escolas e junto com os Poderes Legislativo e Executivo, independentemente de quem esteja no mandato”, revelou a promotora que salientou: “A lei, regulamentada pelo decreto nº 9.603, estabelece o comitê de gestão colegiada da rede de cuidado e de proteção social que vai atuar para articular, mobiliar, planejar, acompanhar e avaliar as ações da rede. Além do mapeamento das ocorrências no município, o sistema de garantias atua para cessar e prevenir a reiteração da violência já ocorrida, promover o atendimento das vítimas para minimizar as sequelas com a reparação integral”.
CRIMINALIZAÇÃO DA OMISSÃO
A representante do MP disse que a cereja do bolo da lei é a criminalização da omissão. “Muitos têm a ideia de não relatar a violência porque ficou na dúvida. Você não tem mais essa opção, agora é crime. Vamos começar a responsabilizar aquele que não levar adiante uma notícia de qualquer suspeita de violência física, psicológica ou sexual. O chicote vai estralar, precisamos proteger essas crianças”.
Em maio do ano passado o MP instaurou um procedimento administrativo de acompanhamento de política pública. O município foi notificado e prontamente atendeu a solicitação, nomeando os integrantes de diversas pastas que formam a comissão intersetorial de monitoramento. “O fluxo que montamos neste um ano de trabalho está regulamentado por decreto publicado pela prefeitura. Todas as secretarias terão em mãos uma ficha de relato espontâneo que é de impressão obrigatória no município porque é lei”.
“Um problema sério de Colina, acredito de cidades pequenas, é que além da preconcepção, existe medo de retaliação, de ser propagador de injustiça. Não cabe a rede questionar. A Polícia Militar, delegacia e o MP, a segurança pública e a justiça, estarão à disposição para repreender qualquer tipo de crime contra a atuação legal. Precisamos do comprometimento de todos, escolas particulares e projetos desenvolvidos em igrejas. Todos os projetos sociais terão essa ficha de notificação de preenchimento obrigatório em qualquer suspeita de violência”, frisou Dra. Paloma.
Ela explicou que o promotor recebe o inquérito policial e decide se vai processar criminalmente ou arquivar. O juiz decide pela condenação ou absolvição. “O sistema de justiça está de mãos dadas com a rede. A nova cara do fluxo, nunca teve antes aqui, é a escuta especializada feita por profissionais capacitados. Será feita sempre em dupla e ambiente propício para saber o que está se passando com a criança”.
“O Ministério Público está sempre de portas abertas. Me coloco à disposição dos colinenses. Me interessa que a justiça seja feita, que a criança seja protegida, que a sociedade de Colina avance e saia de pensamentos medievais”, concluiu a promotora.
FORMAS DE VIOLÊNCIA
Para as pessoas detectarem as formas de violência a promotora também abordou o assunto. “Aquela história de que um tapa não faz mal ficou no passado, não vai mais nos acompanhar porque é crime. Existe uma falsa ideia de que o pai e a mãe podem utilizar todos os meios de correção e disciplina. Estudos comprovam que a violência física gera a replicação da violência. A criança excessivamente castigada, humilhada e torturada não será um bom cidadão. A criança tem direitos e deveres, cabe aos pais educarem os filhos sem violência, que não é permitida”.
A segunda violência é a psicológica. “A criança humilhada, tudo que fala nada é aceito, os pais jogam todas frustrações da vida sobre ela, é uma criança com baixo autoestima, não consegue se relacionar na escola, no convívio social porque sofre pressão psicológica dentro de casa e bullying”.
A violência sexual é a que ganha maior notoriedade em razão da gravidade. “Muitos ainda têm a ideia que este tipo de violência é somente da junção carnal. Qualquer toque em regiões íntimas de criança e adolescente já é estupro de vulnerável. O aliciamento de criança para obter vantagem financeira em troca de favores é crime sexual. Oferecer dinheiro para meninos e meninas é prostituição infantil”.
A promotora explicou que a lei não dá a criança e ao adolescente poder de consentimento para atos sexuais porque são pessoas em desenvolvimento. “Abaixo de 14 anos não é permitido qualquer ato sexual, isso seria a banalização da infância e a introdução de meninos e meninas precocemente na vida sexual. Não cabe a nós criminalizar a vítima e isso acontece com muita intercorrência por causa desta falsa ideia. A lei é imperativa e para todos”.
A última forma de violência é a institucional, quando a criança relata dentro de uma determinada secretaria que sofreu violência e é desacreditada.