Ao levar meu cão Gybson para a clínica veterinária, deparei-me com uma casa modesta exibindo a inscrição: Associação Espírita Deus é Luz. Essa simples visão desencadeou uma espiral de reflexões sobre a relação entre Deus e a luz—conceitos familiares que, quando unidos, revelam profundidades inesperadas. Deus, domínio dos místicos e da fé, e luz, fenômeno físico estudado pela ciência, parecem mundos separados. Mas serão realmente irreconciliáveis?
São Francisco de Assis encontrou Deus não nas catedrais, mas na natureza ao seu redor—na terra sob seus pés, no canto dos pássaros, no brilho do sol. Para ele, o mundo natural era a manifestação viva do divino. Deus estava em tudo: no vento entre as árvores, na água dos riachos, nos animais que compartilhavam a vida conosco. Sua espiritualidade dissolvia as fronteiras entre o sagrado e o cotidiano, vendo o divino em cada raio de luz e em cada folha que caía suavemente ao chão.
Conheci Francisco através de “Pobre de Deus” de Nikos Kazantzakis, que oferece uma visão profundamente humana e arrebatadora do divino. Kazantzakis apresenta um Deus que não é distante ou inatingível, mas que compartilha as angústias e dores humanas. Um Deus que sofre junto com os homens, desafiando a ideia de um ser todo-poderoso e implacável.
Chico Xavier, outro Francisco, viveu em um Brasil de desafios, dedicando sua vida a manifestar o divino através do consolo às almas aflitas e da caridade sem limites. Para Chico, Deus se revelava no amor incondicional ao próximo. Ele canalizou mensagens de esperança, acalmando corações feridos e demonstrando que o amor transcende a morte. Via a luz de Deus no rosto de cada necessitado e na continuidade da vida que nunca cessa.
A frase “Deus é Luz” carrega uma carga imensa. Ao uni-las, sugerimos que o sagrado e o físico são uma só coisa. A luz que percorre o universo—fótons, ondas eletromagnéticas—carrega em si a essência divina. Essa união leva à compreensão de que o divino permeia tudo, do cosmos à intimidade de cada coração humano. Francisco e Chico viveram essa verdade à sua maneira: um via a luz de Deus na criação natural; o outro, na compaixão humana.
Se mantivermos Deus e luz separados, preservamos o mistério do divino como algo inalcançável, além das leis físicas e da razão científica. Contudo, a beleza está na tensão entre esses dois conceitos. Talvez o segredo não esteja em escolher uma ou outra expressão, mas em reconhecer que o divino habita ambos os reinos: no brilho de uma estrela distante e no gesto de carinho que traz conforto.
No fim, a luz que Francisco via na natureza e a que Chico encontrava nos gestos humanos são expressões da mesma realidade: o divino está em toda parte, permeando a vida, iluminando o visível e o invisível. Criação e criaturas de mãos dadas e inseparáveis. Essa verdade simples e imensa nos conecta e nos inspira a buscar sempre mais, reconhecendo que Deus está tanto no vasto cosmos quanto no mais íntimo de nossos corações.

Dr. José Reynaldo W. de Almeida
Neurocirurgia e Neurologia
CRM: 28475
RQE: 20057 / 20159
