Dados da Associação Brasileira de Estudos Sobre Obesidade (ABESO) demonstram que mais de 55% da população brasileira tem sobrepeso ou obesidade. Até 2035 é estimado que mais de 2 bilhões de pessoas no mundo vivam com essa doença.
É importante lembrar que a obesidade, além de impactar negativamente na qualidade de vida, é fator de risco para outras doenças como: diabetes, hipertensão, infarto e AVCs. Além disso, são listados ao menos 13 tipos de cânceres relacionados à obesidade. Esses são dados bastante alarmantes e que nos fazem refletir sobre a necessidade de ações imediatas para a mudança desse quadro.
O primeiro passo para isso é entendermos que a obesidade é uma doença crônica. Mas o que seria isso? Vamos usar o diabetes como exemplo prático:
O diabetes é caracterizado por aumento da glicose no sangue, não é mesmo? Para controlarmos o diabetes é recomendado a prática de atividade física, mudança dos hábitos alimentares e, na maioria das vezes, tratamento com medicamentos. A pessoa que adere bem ao tratamento e faz tudo certinho consegue controlar a glicose e evita complicações maiores da doença. Porém, ter a glicose controlada não significa que podemos parar de tomar os remédios, abandonar os exercícios, e muito menos retornar aos velhos hábitos alimentares. Caso isso aconteça, a glicose voltará a subir e novas complicações podem aparecer.
É isso que define uma doença crônica. Podemos controlar a doença, mas se não mantivermos o tratamento ao longo do tempo ela volta a sair do controle.
Com a obesidade é a mesma coisa. É muito comum vermos pessoas mudarem radicalmente sua alimentação após terem ganhado muito peso, muitas vezes “cortando” vários alimentos. Essas medidas até levam a uma perda de peso inicial, mas, dificilmente são mantidas ao longo de muito tempo, o que acarreta no retorno do peso perdido, ou muitas vezes, a um peso ainda maior do que antes. Esse é o famoso efeito sanfona. Ele acontece por não tratarmos a obesidade como uma doença crônica.
Tratar a obesidade não é uma tarefa simples, existem diversas mudanças no metabolismo da pessoa acima do peso que a impedem de conseguir emagrecer. Já foi demonstrado que cerca de 90% das pessoas acima do peso não conseguem emagrecer e manter o peso perdido apenas com alimentação e exercício físico. Isso está longe de ser falta de comprometimento ou “falta de vergonha na cara”, nosso organismo está adaptado para acumular energia em forma de gordura e acredite, ele faz de tudo para impedir a perda dessa gordura. Existem diversas mudanças metabólicas e hormonais que fazem com que isso aconteça. Vou explicar de uma forma simples.
Vamos voltar no tempo, quando éramos homens das cavernas. Não havia maneira de conservar os alimentos. Vivíamos do que éramos capazes de coletar ou caçar. A busca diária por alimentos gerava um gasto calórico muito grande. O homem precisava se arriscar, entrar em luta corporal com outros animais para conseguir seu alimento. Ao cair a noite o homem das cavernas tinha que se recolher, pois seria presa fácil para predadores noturnos. Ele se alimentava de dia e passava longos períodos de jejum a noite, enquanto dormia.
Era muito comum períodos de escassez. Assim, muitos morriam de desnutrição. Sobreviveram aqueles que eram mais adaptados a acumular gordura, afinal, era da gordura que eles tiravam energia para sobreviver. Assim, o DNA que foi passado ao longo das gerações era daqueles indivíduos acumuladores de gordura.
Ao longo da nossa evolução desenvolvemos tecnologias que tornaram os alimentos cada vez mais disponíveis e mais calóricos. Hoje temos hábitos completamente opostos. Passamos um grande período do nosso dia sentados, temos fácil acesso a alimentos processados e extremamente calóricos. Porém, ainda temos aqueles genes responsáveis por acumular gordura. Ou seja, ganhamos peso muito fácil e temos muito mais dificuldade em perdê-lo.
Isso explica em grande parte porque é tão difícil controlar o ganho de peso. Quando vamos mais a fundo para entender como o organismo se comporta com o acúmulo excessivo de calorias percebemos diversas mudanças metabólicas.
Por exemplo, o obeso tem menor percepção de saciedade, o que contribui para que ele coma mais do que é necessário. Isso se deve à ação de um hormônio chamado leptina (o hormônio da saciedade). Estudos demonstram que apesar desse hormônio estar aumentado em pessoas com obesidade, o cérebro está mais resistente a sua ação. Assim, a saciedade fica reduzida.
Outro hormônio importante é a grelina, o hormônio da fome. Conforme perdemos peso, o organismo aumenta a produção de grelina. Essa é uma adaptação para aumentar a fome e dificultar a perda de peso (lembra do homem das cavernas, nosso organismo ainda entende perda de peso como “perigo à vida”).
Um terceiro hormônio impactado nesse processo é a insulina. Assim como a leptina, quanto maior o ganho de peso, maior a resistência das células do nosso corpo à ação da insulina. Esse processo, conhecido como resistência insulínica, dificulta a entrada da glicose nas células. Assim, a glicose acaba sendo transformada em gordura, contribuindo para aumento progressivo do peso e também para o desenvolvimento do diabetes.
São inúmeros os hormônios alterados pelo ganho excessivo de peso. Além disso, há alterações no intestino, no fígado, nos rins, no coração, cérebro… enfim, todo o organismo é de fato afetado o que leva ao surgimento de diversas doenças como vimos no início da nossa conversa.
É por isso que, culpabilizar o obeso pelo excesso de peso e colocar todo o tratamento apenas na mudança de hábitos é condenar as pessoas com obesidade ao adoecimento e a viverem frustradas por “não serem capazes de emagrecer”.
Entender a obesidade como uma doença crônica e tratá-la adequadamente é o primeiro passo para mudarmos esse panorama de obesidade no Brasil e no mundo. Nesse sentido, o tratamento medicamentoso da obesidade ganha papel crucial na mudança de paradigmas e controle definitivo dessa doença.
O olhar único para cada pessoa, entendendo sua rotina, seu hábitos alimentares, trabalho, contexto familiar, sono e todas as individualidades existentes é alicerce indispensável para sucesso do tratamento e vencer definitivamente o efeito sanfona.
Dr. Luis Garcia – Médico da Família
CRM 202560 – RQE 86952